Nietzsche escreveu no Crepúsculo dos Ídolos que "sem música, a vida seria um engano, um erro". Concordo plenamente em gênero, número, grau e caso (como diria meu velho professor Aldo Migot). A música preenche os espaços que parecem vazios de uma maneira que talvez nem suspeitamos. Ela toca em momentos específicos da vida, nos fazendo lembrar desses eventos posteriormente. Acordes soam em tons altos e agudos ou baixos e graves, mas sempre trilhando a nossa própria trilha sonora.
Me recolho ao quarto rosa para escrever não sobre a música, não obstante ter introduzido esse texto com ela. Mas para falar daquilo que nos faz sentir bem dentro da nossa existência em sociedade. Ou seja, a nossa satisfação e bem estar social. Inicio com música porque escrevo em companhia dela. A música sabe ser uma excelente companhia, mas como toda a companhia, deve ser escolhida com distinção. É uma questão de gosto, alguém pode dizer! Mas nem mais o gosto é questão de gosto. O grande musicólogo, sociólogo e filósofo Theodor W. Adorno, já havia identificado esse retrocesso ainda na década de 1930. Quando ele escreve "O fetichismo na Música e a Regressão da Audição" (2005), com propriedade diz que o gosto deixa de ser um critério subjetivo entre bom e ruim e passa a ser reconhecimento. Nesse sentido, gostamos daquilo que reconhecemos e com isso regredimos na capacidade de ouvir. Mais diretamente e ousadamente, Adorno na mesma obra, diz que se ninguém é capaz de falar realmente, é óbvio também que já ninguém é capaz de ouvir. Uma crítica bastante direta sobre as músicas de rádio, e olha que ele nem conheceu os anos 2000, e nem nunca ouviu falar do funk carioca. Me divirto em pensar no que ele falaria hoje de nossos movimentos musicais, até consigo imaginá-lo se contorcendo no caixão ...
Mas a música está presente em meus momentos. Pode ser um breve cantarolei desafinado, ou no rádio do carro no trajeto do trabalho, num acorde mal feito no violão, ou na companhia do meu trabalho casual na construção desses textos descompromissados. Ás vezes escrevo ao som de sinfonias em que me divido entre o Motus primus (Adágio) e o Motus quartus (Vivace), mas sempre parando o que estou fazendo para admirar o Allegro (Motus tertius). Outras vezes em companhia das minhas bandas progressivas preferidas como: Pink Floyd; Jethro Tull; Rush; Emerson, Lake and Palmer etc. Hoje, no entanto, estou variando entre clássicos do Rock nacional e internacional, o que me levou a composição dessas linhas. Foi os acordes conhecidos em Tom Lá Maior de Satisfaction do Rolling Stones que me incentivou a escolher o tema de hoje.
Satisfação não está diretamente ligada as necessidades. Nos satisfazemos também naquilo de que não necessitamos. Isso é possível? Evidente que sim! Somos campeões de querer satisfazer aquilo que não necessitamos. Estamos sempre criando novas necessidades que nem são tão necessárias assim. É natural do ser humano. Mas, de qualquer forma, o homem é o único animal que extrapola as necessidades básicas. Necessitamos muito mais do que comida e água. E aqui mais uma vez nos valemos da nossa companheira: a música. Dessa vez Titãs nos dá a luz, na sua clássica "Comida".
Criamos sentido para nossa existência na criação de novas necessidades. Precisamos de arte, precisamos de expressão, precisamos nos sentir parte de algo, do todo, do universo... ou simplesmente sentir que somos donos da nossa própria vida. Isso também é ser humano. Isso faz parte do nosso eterno "tornar-se"...
Um exemplo bastante evidente disso podem ser encontrados em nosso cotidiano. Basta observarmos com atenção. Grande parte das mulheres não resistem a uma vitrine de calçados e bolsas. Entram na loja como se tivessem encontrado um poço de petróleo. E isso não é uma crítica, e não estou sendo irônico. É uma forma de satisfação, e acho bastante bacana isso. Lembro que Humberto Gessinger, em um dos seus livros, escreve que todas as lojas de instrumentos musicais de Porto Alegre tem a marca do seu nariz nas vitrines. Acontece o mesmo com os "ratos de livrarias", com os maníacos por cinema, colecionadores de revistas , de selo etc...
Criamos necessidades, nada mais natural do que satisfazê-las! Nisso consiste uma nova configuração social que vem crescendo desde a década de 1920: a sociedade do consumo. Essa é a consequência que temos que enfrentar, mas com a perspectiva de que isso faz parte da nossa própria natureza. Abusem das vitrines, mas não se esqueçam de que somos nós mesmos que estamos no comando. O consumismo nasce da falta de controle de nossa própria satisfação. O que significa dizer, sinteticamente, que somos controlados por aquilo que desejamos...e é exatamente isso que devemos evitar. Nosso bem estar social depende disso, mas contraditoriamente depende também da nossa satisfação... Tudo envolve uma questão de consciência.
Abraço a todos.